Os 27 anos de Scott

Scott acordou em um sobressalto. Ele tremia, seus cabelos gotejavam água fria, os lençóis molhados, frios, gelados. Ele pulou da cama e mirou o tapete branco, mirou, mas não viu os dois cisnes que limpavam as penas e nem a menina acompanhada do avô que agachada colhia água. Ele deu um ou dois passos e caiu, parece que ainda estava sonhando quando se contorceu de dor. Não teve forças para gritar, e mesmo que conseguisse gritar Marian não poderia escutá-lo pois tinha ido dormir na casa de uma amiga, Beatriz, vizinha da Clarinha. Scott conseguiu forças, apoiou-se no criado mudo e levantou para segundo após estar de novo no chão. As dores eram insuportáveis. “São demais os perigos dessa vida, pra quem tem paixão”, essa música era cantada no fundo de sua mente. Subitamente ele se avistou no espelho grande, parece que do outro lado ele estava em pé e feliz. “principalmente quando uma lua chega de repente”. Ele virou-se instintivamente para a janela, mas não viu nada, apenas escuridão. Scott se arrastou para longe do espelho. “e se deixa no céu como esquecida”. Ele gargalhou e repetiu e me deixa no chão como esquecido. Ele suava em bica, o tapete agora tinha uma pequena mancha vermelha. “e se o luar que atua desvairado”. Sua mente estava a ponto de explodir. Ele se lembrou que tinha perfume no armário, se arrastou conseguiu segurar o vidro de Rastro, mas esse caiu e se despedaçou, ele então rolou sobre o perfume derramado, sem se preocupar com os cacos. “vem se unir uma música qualquer” “Maldita música, quem pode estar cantando? E se olhou no espelho, era ele do outro lado que cantava. “aí então, é preciso ter cuidado, porque deve andar perto uma mulher”. Por uma fração de segundo se lembrou de Clarinha. Ele então tento cantar bem alto “deve andar perto uma mulher que é feita, de música luar e sentimento. Parou. A dor era forte, e agora doíam também os cortes do vidro de perfume. Ele desmaiou.

Clarinha acordou de um sobressalto, ela nunca havia acreditado que dias tivessem cor, mas esse tinha e era cor de arco-íris. Ela foi possuída de uma vontade enorme de comprar um presente para Scott, mas estava confusa, pois não haviam se passado nem doze hora que se conheceram. Ela sorriu um sorriso de anjo. Ontem ele viu Scott pela primeira vez, passou então a lembrar do grupo de amigos que a tentavam impressionar, um havia passado na USP, o outro era bonito e convencido, cada um tinha um atrativo diferente. Mas o que a impressionou mesmo foi quando o menino calado  que brincava  quieto com um crucifixo de madeira, pegou o violão velho, pendurou o crucifixo nas tarraxas e começou a dedilhar baixo uma música bonita, ela rockeira  que gostava de Slade e de Humble Pie, nunca tinha prestado atenção em Vinicius, mas ouvido o dedilhar baixinho se aproximou e do nada disse “oi, posso escutar?”. Scott acenou com a cabeça e continuou:

“Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer de tão perfeita

Uma mulher que é como a própria lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua”

Ela bateu palmas e perguntou “você é daqui?” ela nem se lembra da resposta pois não tinha interesse em saber. Conversaram por mil anos, que podem ser alguns minutos ou horas, até que Scott sempre sorridente e gentil, pegou em sua mão e disse: “vou te acompanhar até a sua casa”. Eles caminharam por milhares de quilômetros que podem ser uma ou duas quadras. Ele parecia tímido, mas disse: “amanhã faço 27 anos, posso te levar na Shadow?. Ela imediatamente aceitou.

Scott despertou do desmaio, agora pingavam suor e sangue. Do outro lado do espelho ele continua observando, mas agora calado. Ele conseguiu forças para pegar o peso de musculação e atira-lo contra o espelho, não satisfeito pegou o maior pedaço de vidro e segurando gritou; “Eu te mato”.

Clarinha havia comprado um presente lindo, ele certamente iria adorar, ela comprou um terço bonito, pois sabia que ele era cristão, comprara também um novo encordoamento pois a corda ré havia se rompido na última canção. Ela estava tão ansiosa para ver o menino que a cativara, que resolveu entrega-los pessoalmente, na casa dele, pela manhã mesmo. Lá chegando, tendo o porteiro chamado, chamado, chamado: “parece que o interfone dele está quebrado, peque as chaves da irmã dele e pode subir”. 

Ela abriu a porta no exato momento em que Scott cravava o pedaço grande de vidro no coração.

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